sábado, 15 de dezembro de 2012

Mágica Imagem


É certo que alguns povos não se deixam captar pelas câmeras fotográficas com medo de que o equipamento roube suas almas. Também sabemos que muitas vezes a fotografia foi usada com pseudoprova para eventos sobrenaturais como a existência de fadas, doendes, discos voadores e fantasmas.

Mas o quê de realmente metafísico tem a fotografia?

A meu ver: muito. Apesar de todo o arcabouço científico, físico e mecânico que explica a formação da imagem e desmistifica a prova de muitos eventos sobrenaturais, há, inegavelmente, um conteúdo que transcende explicações quando se estabelece a fotografia.

E talvez o mais significativo deles seja a relação de comunicação que nasce entre fotógrafo e o momento da criação da imagem com o expectador que absorve a fotografia.

Acredito que pensando nisso se pautou a curadoria da exposição Mágica Imagem que está em cartaz no Instituto Cultural Iracema até 30 de janeiro de 2013 e faz parte das ações do Encontro de Agosto 2012, uma promoção do Fórum da Fotografia do Ceará.

Como bem observa a coordenadora da exposição, Patrícia Veloso, na seleção das imagens se quer que os autores levem “o público a pensar: o que de mágico tem nessa obra?”.

Um dos curadores da exposição, o fotógrafo e professor da UFC, Silas de Paula, destaca a ideia na fotografia contemporânea que “olha o passado, busca no futuro para mostrar-se no presente”. Nessa hora a captação de imagens trabalha o aspecto temporal. Como se pudesse parar o tempo a fotografia as vezes pretende congelar o passado e com uma perspectiva de futuro quer mostrar-lo num presente.

Também ressalta o professor o “eterno paradoxo entre mágica e realidade” que pela fotografia torna-se mais aparente. A fotografia “reflete uma realidade, mas ao mesmo tempo recusa submeter-se a ela”. É o caráter transformador da fotografia. Ela capta uma determinada situação, mas ao mesmo tempo esta situação se consubstancia em outra realidade, a realidade da imagem, que não é exatamente a matéria captada, mas sua representação.

Também podemos dizer, ainda sobre o caráter transformador da fotografia, que o fotógrafo muitas vezes registra uma realidade de tal forma que sua representação gere no expectador a perspectiva de mudança. É a fotografia em seu caráter político. É a mágica de se transformar consciências através da ideia inscrita em toda boa fotografia.

Enfim, Mágica Imagem tem muito a nos ensinar. Como toda boa exposição de fotografia nos faz refletir, e talvez esta seja a maior mágica proporcionada pela experiência fotográfica.

Boa exposição!

João Palmeiro
Roberta Felix




SERVIÇO
12 de dezembro até 30 de janeiro de 2013
das 16 às 21h de terça a sábado
Instituto Cultural Iracema
Entrada franca
85 3261 0525


domingo, 1 de abril de 2012

Postais do Ceará


O fotógrafo, o “fazedor de imagens”, é parte ativa na formação do inconsciente imaginético dos lugares e dos símbolos de uma população, ou estes lugares e símbolos se impõe por si só com a inerente força do que representam?

Sem querer tecer maiores considerações (que deixo para outro texto) acredito na primeira hipótese. O “registrador de imagens”, aquele que capta, seleciona e dá seu ponto de vista sobre os lugares e símbolos de um povo e de uma região tem uma responsabilidade sobremaneira na imagem que se forma inconscientemente no povo sobre esses mesmos lugares e símbolos. 

Nesta semana tive a chance de ver a Exposição “Postais do Ceará”, que se encontra em cartaz no MIS - Museu da Imagem e do Som do Ceará, realizada pelo Ifoto – Instituto da Fotografia e que já passou pelo Centro Cultural dos Correios em Fortaleza e tem a curadoria de Silas de Paula e Tiago Santana. Nota-se pelas imagens expostas que os fotógrafos que participaram da mostra parecem bem conscientes de sua utilidade, importância e influência nesta chamada ‘Visão’ que se têm do Ceará através do registro de seus símbolos e lugares.

A maioria das imagens parece superar o cartão postal convencional, sem perder a condição de tal. Não vendem apenas uma beleza estereotipada e dirigida para um turismo banal. Há opinião mesmo buscando a beleza e a divulgação do Ceará.

A imagem que mais me impressionou foi a de Henrique Torres: o portal de entrada do Theatro José de Alencar visto pela perspectiva de um espelho quebrado. Como se fosse uma obra de Picasso, a fachada do teatro ficou toda fragmentada na imagem. O símbolo maior da cultura do Ceará recortado e distorcido como um mosaico numa incerteza e numa multiplicação de possibilidades.

A partir dali compreendi a exposição. Tal grupo de fotógrafos não quer apenas ‘vender’ o Ceará para o turista (eles querem isso também). Mas querem mostrar nossa terra de um ponto de vista inteligente e crítico.

Em outra foto (por Marcelo Isola) uma jangada, o mar e a duna. Nada mais normal para um cartão postal do Ceará. O detalhe é que estão dispostos numa geometria que faz referência direta ao concretismo e neoconcretismo, movimentos artísticos importantíssimos no Brasil do Século XX. Além de evocar as obras de Sérvulo Esmeraldo, um dos mais importantes artistas plásticos cearenses. A imagem fez de um ícone do Ceará (a jangada, o mar e duna) uma obra concreta via a possibilidade da fotografia. É o diálogo do cartão postal com a importância e liberdade autoral das artes plásticas (só ratifica que fotografia também é artes plásticas).

Fernando Jorge, ao mostrar um pescador apoiado no mastro ‘derriado’ de sua jangada contemplando as ‘Velas do Mucuripe’ também ‘derriadas’ como se refletisse sobre essa atividade artesanal que lhe dá sustento e suas possiblidades no futuro, nos põe a pensar a mesma questão como se o problema fosse também nosso (e é mesmo). Não são só as ‘Velas do Mucuripe’, é também o porquê das ‘Velas...’

Alex Costa mostra um ‘gaiato’ (símbolo do peculiar humor cearense) fazendo graça defronte a Catedral Metropolitana e tem as torres a lhe servir de chifres parodiando o corno, essa fonte inesgotável de gozação pelas ruas da cidade.

A fotógrafa Bia Fiuza capta um jumentinho percorrendo uma faixa de areia próxima ao mar e um homem a observá-lo. É uma clara referência aos camelos e dromedários do deserto do Saara, tão populares. O jumento é nosso camelo e a aridez de nossa terra é quase tão quão um deserto. Nada mais pertinente, nada mais referente ao turismo do Norte da África. Porque não damos a mesma importância ao jumento como é dada ao camelo? Porque queremos esconder que parte da nossa população vive como num deserto?

Como pode ser literalmente visto, há um grupo muito competente de fotógrafos no Ceará, dos quais estes que compõe a exposição “Postais do Ceará”, é uma amostra muito bem selecionada, que está consciente de seu papel como parte ativa (como bem diz o pesquisador e fotógrafo Silas de Paula no texto curadorial) na formação da imagem do Ceará no inconsciente coletivo. E diante disto, exercita e executa seu olhar não apenas para ‘turista ver’, mas para todos nós pensarmos.

É a fotografia com consciência e opinião, que quer também registrar a imagem do Ceará de forma positiva, mas não se submetem a pasteurização de seu trabalho e à ‘imagem fácil’.  Eles trabalham com força, e mesmo com coragem, registrando os lugares e símbolos de nossa terra usando não só a beleza como arma, mas a reflexão crítica.



Folder da Exposição "Postais do Ceará" com a fotografia de Marcelo Isola
fonte: http://baiaoilustrado.tumblr.com


Fotografia de Carlos Gibaja
fonte: http://www.fotoclubef508.com/2010/12/exposicao-postais-do-ceara/

Fotografia de José Albano
fonte: http://www.saraivaconteudo.com.br/Noticias/Post/40836

Fotografia de Celso Oliveira
fonte: http://fecop.seplag.ce.gov.br/noticias/exposicao-201cpostais-do-ceara201d-chega-ao-centro/


Realização:

Curadoria

Fotógrafos

Serviço:
Entrada franca.
85 3101 1207.

Fortaleza – CE, março de 2012.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

"How to keep it real?" – Livro Viva Fortaleza

Assistindo a um desses programas de tv a cabo, numa sátira aos ‘coachs’ de futebol americano, me deparei com um gritando “Let’s keep it real!”. Seria ótimo se a própria realidade não fosse um valor relativo, e não absoluto, como tendemos a acreditar.

Em matéria de história e do tempo, a verdade, como diz o poeta, é que o futuro sempre vem. Por isso mesmo, o hoje presente e real, não passa de um pedaço do caminho a percorrer e que está sempre em modificação.

A exposição e o excelente livro, Viva Fortaleza, Terra da Luz Editorial, lançado recentemente é uma tentativa saudável e um exemplo do que podemos fazer para, em termos de história, “keep it real!”.

Os organizadores do projeto, Patrícia Veloso e Gylmar Chaves, fizeram um excelente trabalho partindo da fotografia como base. Serviram como material, arquivos de grandes fotógrafos cearenses e de famílias e personalidades que mantém acervos fotográficos e de objetos da história da cidade, como os acervos da marchand D. Ignez Fiuza e do memorialista Nirez.

Mas as fotos são o ponto de partida, um mote para pensar Fortaleza nesses últimos 50 anos. Patrícia convidou além de fotógrafos, intelectuais e escritores como Demitri Túlio e Lira Neto para contar histórias sobre a cidade e a refletir sobre a mutante Fortaleza. Propôs também novos ensaios fotográficos e novas visões sobre o tema.

O resultado da exposição e do livro é um recorte de Fortaleza com a visão de várias personalidades que de certa forma participaram ou foram testemunhas dessas mudanças. Há a tentativa de registrar a realidade e história dessa cidade que virou uma grande metrópole numa rapidez incomum.

É inevitável que o registro não seja só de Fortaleza, mas das incríveis e rápidas mudanças que ocorreram na cidade nesses 50 anos. Daí a preciosidade da publicação.

Mas mesmo que Fortaleza não mudasse tão freneticamente (e parece que vai mudar mais ainda nos próximos anos) não conseguiríamos preservá-la em sua inteireza e fidelidade. As mudanças, em qualquer grau de velocidade, são inevitáveis e inexoráveis.  O Louvre preservará a Mona Lisa o máximo possível, mas um dia, como diz a profecia bíblica, tudo virará pó. Tal qual a música cantado por Lenine, tudo é, no final, areia.

Entretanto podemos fazer algo que vá além da matéria e do real. Cultivar seu valor cultural. Que já não está mais na esfera do tangível, mas da consciência e, mais ainda, da consciência coletiva.

É isso que o livro Viva Fortaleza faz – aliás, o livro é a segunda etapa do projeto "Memórias da Cidade" que já tem publicado o livro Ah! Fortaleza.  Cultivar e fomentar a reflexão sobre a Cidade. Uma cidade tão veloz em suas mudanças que chega a ser difícil apontar uma identidade para ela. Alguém já disse que a mudança constante é a própria identidade de Fortaleza.

Fotógrafos como Gentil Barreira e Nelson Bezerra, só para citar alguns, desempenharam e desempenham até hoje um trabalho que além da estética e do óbvio registro, realiza uma função social e documental da história da cidade. Seu material e acervos são mais importantes ainda pelo fato da constante e veloz transformação dos espaços e da cultura da capital. O livro, apesar de não ter sido feito com o propósito paradidático, é indispensável às atuais e futuras gerações na construção desta nossa “realidade” e deveria ser necessariamente acessível às escolas e universidades.

(...)

Não, não é pra sempre. Nada é para sempre. Tudo está em transição e transformação e não conseguiremos congelar o passado como se imagina (erradamente) possa ser a função dos museus. Mas podemos sim, e deveríamos sempre, pensar a história e criar diálogos entre o passado que não existe mais no “real” (mas existe através da memória), e o presente que estamos construindo agora.

Não sei se surgirá um futuro melhor (não há certezas absolutas também), mas provavelmente um futuro mais consciente, mais participativo da sociedade e mais seguro no que pretendemos construir como “realidade”.

Cito um excelente trabalho precedente a este, um pouco diferente é verdade, mas que serve como referência e que hoje tem um valor inestimável: o acervo de Marc Ferrez (1843 - 1923). Hoje sob curadoria do IMS – Instituto Moreira Salles.

Ferrez ainda no tempo de uma fotografia incipiente documentou o Brasil e em especial o Rio de Janeiro de forma pioneira. O resultado belíssimo das imagens transcende o aspecto estético evidente, para ser, além de belo, registro documental. Um registro histórico de valor cultural incalculável.

São documentos-imagens de uma época que não ficou congelada na história, mas está registrada pela visão e esforço de um artista e documentarista precursor no que fez e modelo para os fotógrafos atuais e futuros. Seu trabalho hoje dá subsidio para as transformações que o Rio de Janeiro passará para sediar a Capa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Pode-se assim, contribuir e ser agente consciente em termos histórico e cultural nas transformações sobre a realidade. Publicações como Viva Fortaleza são instrumentos (no Ceará, instrumentos raros e preciosos) para esse exercício de consciência na transformação inexorável da realidade e na tentativa de na medida do que for possível: “Keep it Real!”

SERVIÇO:
A partir de 06 de dezembro de 2011.

(85) 3261.0525, 8814.4593


Enio Castelo

Fortaleza – CE, janeiro de 2012.


Capa do Livro "Viva Fortaleza", Terra da Luz Editorial (Divulgação)

Foto de Maurício Albano para a publicação "Viva Fortaleza" (Divulgação)



Duas imagens de Fortaleza em épocas diferentes (Divulgação )
fonte: http://vivafortaleza.blogspot.com

Foto de Nelson F Bezerra (Divulgação)