domingo, 1 de abril de 2012

Postais do Ceará


O fotógrafo, o “fazedor de imagens”, é parte ativa na formação do inconsciente imaginético dos lugares e dos símbolos de uma população, ou estes lugares e símbolos se impõe por si só com a inerente força do que representam?

Sem querer tecer maiores considerações (que deixo para outro texto) acredito na primeira hipótese. O “registrador de imagens”, aquele que capta, seleciona e dá seu ponto de vista sobre os lugares e símbolos de um povo e de uma região tem uma responsabilidade sobremaneira na imagem que se forma inconscientemente no povo sobre esses mesmos lugares e símbolos. 

Nesta semana tive a chance de ver a Exposição “Postais do Ceará”, que se encontra em cartaz no MIS - Museu da Imagem e do Som do Ceará, realizada pelo Ifoto – Instituto da Fotografia e que já passou pelo Centro Cultural dos Correios em Fortaleza e tem a curadoria de Silas de Paula e Tiago Santana. Nota-se pelas imagens expostas que os fotógrafos que participaram da mostra parecem bem conscientes de sua utilidade, importância e influência nesta chamada ‘Visão’ que se têm do Ceará através do registro de seus símbolos e lugares.

A maioria das imagens parece superar o cartão postal convencional, sem perder a condição de tal. Não vendem apenas uma beleza estereotipada e dirigida para um turismo banal. Há opinião mesmo buscando a beleza e a divulgação do Ceará.

A imagem que mais me impressionou foi a de Henrique Torres: o portal de entrada do Theatro José de Alencar visto pela perspectiva de um espelho quebrado. Como se fosse uma obra de Picasso, a fachada do teatro ficou toda fragmentada na imagem. O símbolo maior da cultura do Ceará recortado e distorcido como um mosaico numa incerteza e numa multiplicação de possibilidades.

A partir dali compreendi a exposição. Tal grupo de fotógrafos não quer apenas ‘vender’ o Ceará para o turista (eles querem isso também). Mas querem mostrar nossa terra de um ponto de vista inteligente e crítico.

Em outra foto (por Marcelo Isola) uma jangada, o mar e a duna. Nada mais normal para um cartão postal do Ceará. O detalhe é que estão dispostos numa geometria que faz referência direta ao concretismo e neoconcretismo, movimentos artísticos importantíssimos no Brasil do Século XX. Além de evocar as obras de Sérvulo Esmeraldo, um dos mais importantes artistas plásticos cearenses. A imagem fez de um ícone do Ceará (a jangada, o mar e duna) uma obra concreta via a possibilidade da fotografia. É o diálogo do cartão postal com a importância e liberdade autoral das artes plásticas (só ratifica que fotografia também é artes plásticas).

Fernando Jorge, ao mostrar um pescador apoiado no mastro ‘derriado’ de sua jangada contemplando as ‘Velas do Mucuripe’ também ‘derriadas’ como se refletisse sobre essa atividade artesanal que lhe dá sustento e suas possiblidades no futuro, nos põe a pensar a mesma questão como se o problema fosse também nosso (e é mesmo). Não são só as ‘Velas do Mucuripe’, é também o porquê das ‘Velas...’

Alex Costa mostra um ‘gaiato’ (símbolo do peculiar humor cearense) fazendo graça defronte a Catedral Metropolitana e tem as torres a lhe servir de chifres parodiando o corno, essa fonte inesgotável de gozação pelas ruas da cidade.

A fotógrafa Bia Fiuza capta um jumentinho percorrendo uma faixa de areia próxima ao mar e um homem a observá-lo. É uma clara referência aos camelos e dromedários do deserto do Saara, tão populares. O jumento é nosso camelo e a aridez de nossa terra é quase tão quão um deserto. Nada mais pertinente, nada mais referente ao turismo do Norte da África. Porque não damos a mesma importância ao jumento como é dada ao camelo? Porque queremos esconder que parte da nossa população vive como num deserto?

Como pode ser literalmente visto, há um grupo muito competente de fotógrafos no Ceará, dos quais estes que compõe a exposição “Postais do Ceará”, é uma amostra muito bem selecionada, que está consciente de seu papel como parte ativa (como bem diz o pesquisador e fotógrafo Silas de Paula no texto curadorial) na formação da imagem do Ceará no inconsciente coletivo. E diante disto, exercita e executa seu olhar não apenas para ‘turista ver’, mas para todos nós pensarmos.

É a fotografia com consciência e opinião, que quer também registrar a imagem do Ceará de forma positiva, mas não se submetem a pasteurização de seu trabalho e à ‘imagem fácil’.  Eles trabalham com força, e mesmo com coragem, registrando os lugares e símbolos de nossa terra usando não só a beleza como arma, mas a reflexão crítica.



Folder da Exposição "Postais do Ceará" com a fotografia de Marcelo Isola
fonte: http://baiaoilustrado.tumblr.com


Fotografia de Carlos Gibaja
fonte: http://www.fotoclubef508.com/2010/12/exposicao-postais-do-ceara/

Fotografia de José Albano
fonte: http://www.saraivaconteudo.com.br/Noticias/Post/40836

Fotografia de Celso Oliveira
fonte: http://fecop.seplag.ce.gov.br/noticias/exposicao-201cpostais-do-ceara201d-chega-ao-centro/


Realização:

Curadoria

Fotógrafos

Serviço:
Entrada franca.
85 3101 1207.

Fortaleza – CE, março de 2012.